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19 de Abril de 2024

Maju e o racismo nas redes sociais: até quando?

há 9 anos

Maju e o racismo nas redes sociais at quando

Por Yuri Felix

“As bôcas passaram a abrir-se sozinhas; as vozes amarelas e negras falavam ainda do nosso humanismo, mas para censurar a nossa desumanidade. Escutávamos sem desagrado essas corteses manifestações de amargura. De início houve um espanto orgulhoso: Quê! Êles falam por êles mesmos! Vejam só o que fizemos dêles!”[1]

Nesta semana, em pleno século XXI no país da “democracia e alegria”, fomos brindados com um show de preconceito e horror. A vítima da vez foi a jornalista do tempo, funcionária da Rede Globo de Televisão, Maria Júlia Coutinho – MaJu – na medida em que sofreu estarrecedoras ofensas por conta, unicamente e em primeiro momento, da cor de sua pelé. Isso me faz lembrar algumas coisas.

Não tenho como não recordar todas as vezes que vi o ex-jogador e grande homem de marketing da habilidade e ginga brasileira “Rei Pelé” falar em alto e bom som que o Brasil não é um país preconceituoso e que o brasileiro é alegre, hospitaleiro e feliz. Mas será isso mesmo? Será que somos tão amáveis e vivemos em um país de igualdade e democracia? Por óbvio que não!

Recordo-me das estatísticas onde é possível observar, segundo o IPEA, que 70% das vítimas de assassinato no Brasil são negros[2], ou seja, um jovem negro, mesmo tendo escolaridade similar e sendo da mesma classe social de um jovem branco – e esta é para aqueles que gostam de deslegitimar a questão racial dizendo que se trata apenas de uma desigualdade social – carregam uma maior vulnerabilidade com relação aos brancos. Assim, segundo o próprio Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada, a possibilidade de um “adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos”. Estamos diante do extermínio da jovem população negra e este é o país do mito da democracia racial.

Isso sem falar no fato de que quantos Presidentes negros tivemos em nosso país? Nilo Peçanha… faz tempo. E o gravíssimo fato da taxa de analfabetismo ser o dobro entre a população negra o que significa? Pior, a renda de um trabalhador negro é 40% menor que a de um branco que exerce a mesma atividade[3], a mulher negra então nem se fala, ocupa o local mais desprivilegiado dos dados estatísticos do nosso país, esta é a alegria do povo brasileiro? Imaginem a tristeza.

O fato é que o negro na história do nosso país foi identificado como “coisa”, como um instrumento de trabalho ou como objeto de prazer, forjado para o deleite dos detentores do monopólio do poder. Assim, serve exclusivamente para futebol, samba, serviços gerais e sexo, enfim, nada que de acordo com uma visão bem pequena e preconceituosa exija muita reflexão e conhecimento, afinal é de espantar qualquer reacionário enrustido o fato de que “Êles falam por êles mesmos!”. Esta é a construção histórica da exclusão e da indiferença[4], muitas vezes de forma bem engendrada, alegre, irreverente e sutil, mas bem estereotipada.

Mas voltando a MaJu e a Rede Globo de Televisão, não posso me esquecer da “obra literária” – com muitas aspas – de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Globo, denominada “Não Somos Racistas – Uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor” e me pergunto, mas e agora Kamel? Convida a MaJu para escrever o prefácio da próxima edição do seu livro. O que acha da ideia?

Ainda, se prestarmos a mínima atenção nas novelas e seriados produzidos e televisionados pela grande mídia, observaremos que considerável parcela de seus atores negros, historicamente, interpretavam e ainda interpretam papeis bem característicos, tais como, empregadas, serviçais, motoristas, os que como bem disse Nilo Batista integrantes da classe dos “Punidos e Mal Pagos”[5].

Enfim, como destacou Paulo Henrique Amorim, o fato é que se o Brasil não fosse um país racista “Roberto Marinho não passaria pó de arroz para embranquecer a pelé morena, conforme conta Pedro Bial na biografia que escreveu sobre o dono da Globo”[6].

Fonte: Canal Ciências Criminais

__________

[1] (Prefácio de Jean-Paul Sartre In.: FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Trad. José Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968).

[2] Disponível aqui. Acesso em: 4 jul 2015.

[3] Disponível aqui. Acesso em: 4 jul 2015.

[4] Ver: CUNHA, Olívia Maria Gomes da. Intenção e gesto: pessoa, cor e a produção cotidiana da (in) diferença no Rio de Janeiro, 1927-1942. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2002.

[5] BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990.

[6] Disponível aqui. Acesso em: 4 jul 2015.

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Só eu achei estranho que, de repente, uma série de comentários racistas surgiram no facebook da moça? Creio que ninguém em sã consciência faria aquilo por ser racista. Acredito em várias teorias: uma turminha de "trolls" resolveu fazer algo para aparecer; foram criados fakes para dar notoriedade a alguém, alguma causa ou simplesmente a algum programa de tv/emissora....

Aliás, pouco falou-se sobre os nomes dos supostos envolvidos...

Heraldo Pereira também é de raça (etnia) negra, ocupa a bancada do JN há um bom tempo, e não me lembro de ver nenhuma discussão semelhante.

Os comentários sobre a questão mostram que, independentemente da intenção, surtiu efeito. Não deveriam dar notoriedade a isso.
A moça, aliás, não se vitimizou, o que demonstra muita inteligência. continuar lendo

Que nada Dr. Hyago não creio em suas teorias, tem sim muita gente ruim nesse mundo, nós brasileiros somos sim racistas e da pior forma: é um racismo velado. O fato de Heraldo Pereira não ter sofrido algo parecido o que a Maria Julia sofreu na rede social não quer dizer absolutamente nada.
No facebook da Maria Julia lê-se o seguinte comentário que ela fez sábado, 4/7/15: "... A respeito da tempestade de burrice que desabou sobre minha cabeça , já disse o que tinha que ser dito ontem no JN. Agora basta. As medidas legais já estão sendo tomadas...."
A moça se sentiu ofendida sim, e com toda razão, e já tomou as devidas providências legais creio eu.
Uma judia sobrevivente do holocausto disse que os judeus eram tratados como uma raça... raça? Indagou ela, raça é só uma: é a raça humana, o que existe é povos, etnias...
Veja que povo lindo são os negros! Que bela negra é a Maria Julia Coutinho. Curioso saber que algum brasileiro possa ser racista porque, ironicamente, nas veias de todos nós correm sangue de índios, negros e portugueses. Que hipocrisia! continuar lendo

Isso tem coisa por tras. São tds fakes. E ela é petista roxa. É só ver uma publicação que ela postou na sua página do Face onde tem uma mulher branca em cima da ciclofaixa com o celular falando com a mãe onde se lê: e agora onde vou passar com meu carro. Isso é o que d. Maju? continuar lendo

Então vc está me dizendo que foi uma brincadeira de pessoas que não são racistas, mas que queriam chamar a atenção falando coisas que também não passavam na cabeça delas, nem de nenhum brasileiro, nossa isso sim que é raciocínio logico, acho que realmente foi "Trolls", mas criar perfil falso e sair ofendendo as pessoas por sua cor, vc pode chamar de "Trolagem" eu chamo de crime, agora querer tampar o sol com a peneira isso sim é ingenuidade! continuar lendo

Olha pessoal, fica difícil, tecer algum comentário sobre uma atitude dessas, não entendo, como um País gigante como esse, constituído na maioria por pardos, fruto da miscigenação social, ainda hoje se preocupam com a cor da pelé da pessoa, e mais a pelé tem cor, de acordo com a sua condição social. continuar lendo

Aceitar que vivemos num país racista é o primeiro passo para melhorar, sobre as questões de desigualdade já é cultura no Brasil e o pior que não temos movimentos fortes da sociedade atacando este problema, não vejo solução a curto ou médio prazo! continuar lendo

Texto cheio de lugares comuns:

"Não tenho como não recordar todas as vezes que vi o ex-jogador e grande homem de marketing da habilidade e ginga brasileira “Rei Pelé” falar em alto e bom som que o Brasil não é um país preconceituoso e que o brasileiro é alegre, hospitaleiro e feliz. Mas será isso mesmo?"
Provavelmente quando Pelé disse isto o Brasil ainda não passava por este processo de racialização que os engenheiros sociais vem promovendo.

"Enfim, como destacou Paulo Henrique Amorim, o fato é que se o Brasil não fosse um país racista “Roberto Marinho não passaria pó de arroz para embranquecer a pelé morena, conforme conta Pedro Bial"
Isto desconsidera que o padrão europeu de beleza vem sendo adotado voluntariamente ao redor do mundo, inclusive em culturas não escravizadas. Japoneses (as) fazer cirurgias plásticas para "abrir os olhos", as chinesas usam o facequini (roupa de paia que cobre o rosto para que o sol não reforce o amarelo de suas peles),..... Uma cantora africana já famosa lançou produto de clareamento de pelé...

O problema é que de um tempo para ca a esquerda percebeu que, com a ascensão social, eleitores que eram progressistas pobres passaram a se tornarem conservadores e reacionários à transferência de renda (ver no youtube vídeo "a ascensão conservadora" em que Chaui, Safatle, Singer e Muse tratam sobre o assunto na USP). Assim os neomarxistas acabaram tendo de criar outras classes sociais para mobilizar. Assim, traindo a classificação original de Marx, entre detentores e não detentores dos meios de produção, passou-se a classificar em heteroXhomo sexual , homem X mulher, negro X não negro....
O problema é que a luta de classes causa atrito e ódio (infelicidade associada à sua causa). Nisto atente-se para o combate declarado às tendências teístas protestantes, pois todos os teólogos da prosperidade passaram a ser considerados inimigos (o sucesso não pode ser atribuído à qualquer deidade, mas o deve ser à "boa" gestão estatal/partidária, e a busca pela riqueza deve ser combatida, pois exacerba a cultura da classe opressora).

Para fechar deixo uma tradução livre de Morgan Freeman:
"Para acabar com o racismo, primeiro você para de me chamar de negro e eu paro de te chamar de branco". Ou seja, passamos todos a sermos pessoas. continuar lendo