O sacrifício do Leão Cecil e a necessária cautela no ato de “julgar”
Por Felipe Faoro Bertoni
Inundou os noticiários e tomou conta das redes sociais a notícia do dentista que, com a utilização de uma besta, caçou o Leão Cecil, atração de um parque nacional no Zimbabwe. Segundo as informações da rede mundial de computadores, o leão teria sido atraído para fora do parque com comida, ocasião em que foi atingido por uma flecha e morrido quarenta horas depois.
Pior: o animal era monitorado pela Universidade de Oxford, pois integrante um projeto de pesquisa.
Vejo a conduta como extremamente reprovável. Não só porque ilegal a caça, nos moldes como foi feita, segundo li, mas porque sou um entusiasta da vida. Não mato baratas e chego a tropeçar para evitar pisar em formigas. No entanto, não conheço os detalhes do caso, o que me impede de formular um juízo concreto sobre o fato ocorrido.
Por outro lado, li em um site que mais de 180 mil pessoas já assinaram uma petição pedindo a extradição do “dentista-caçador” ao Zimbabwe. Li também que o consultório do dentista teve que ser fechado em razão de protestos. Isso remete a questionamentos já expostos em coluna anterior[1]: (1) as informações que dispomos para o julgamento são suficientes para um julgamento correto? (2) estamos nós como sociedade legitimados a impor uma sanção paralegal?
Reitero que somente obtemos informações parciais e descontextualizadas sobre os fatos que nos são expostos pela mídia. Lembremos que no meio permeia uma lógica mercantil. Logo, evidente que deixamos de conhecer o fato em sua totalidade. Longe disso, aliás.
No caso, trata-se de um fato ocorrido no Zimbábue, país com cultura, clima e costumes completamente distintos do Brasil. Lá é permitido caçar leões. Aqui não é comum vermos leões.
Evidente que todos temos o direito de julgar o acerto ou desacerto de determinadas condutas. Somos livres para refletir sobre o que acontece ao nosso redor. Todavia, penso ser importante o exercício desse Direito com responsabilidade, pois, um comentário, um “compartilhamento”, uma pilhéria, mesmo que desinteressadamente, acaba por gerar reflexos diretos nos envolvidos naquela celeuma.
Outrossim, o direcionamento casuístico sobre a reprovação de determinadas condutas está a evidenciar, para além da evidente seletividade do sistema penal, a seletividade das redes sociais. Eventualmente, um fato torna-se viral, ocasião em que se elege o inimigo da vez, o bode expiatório que expurgará os pecados da humanidade e que, assim, servirá de exemplo.
Faço um parênteses para lembrar aqui do caso do goleiro “Aranha” e a menina que teve sua residência incendiada em razão de supostamente ter proferido ofensas racistas. Mais uma vez a sociedade julga e aplica a pena, como nos casos dos linchamentos[2].
Esquecemos, por outro lado, que nossa sociedade possui instrumentos adequados para tanto. Contamos com todo um sistema jurídico cuja finalidade precípua é resolver conflitos, seja no âmbito civil seja no âmbito criminal. Os atos ilícitos não ficarão impunes, pelo menos em tese. A responsabilização é necessária, mas o julgamento não pode ser leviano e deve ser realizado pelas instâncias competentes para tanto.
De outro lado, penso que fatos revoltantes como esse, ao invés de nos inculcarem raiva e nos incentivarem ao exercício da arbitrariedade e da violência, devem nos incentivar à reflexão. Reflexão sobre o mundo, mas, sobretudo, sobre nós mesmos. Sou eu perfeito? Imune a toda e qualquer crítica? Sob algum aspecto minhas condutas são reprováveis? Nenhum de nós é perfeito. Todos erramos e somos, em certas ocasiões, dignatários de crítica.
Nesse sentido, penso que, embora o impulso inicial seja repelir o errado com violência, o momento deve proporcionar reflexão interna como forma de exercício de alteridade e aperfeiçoamento pessoal. Devemos lembrar que com a mesma medida que estamos julgando hoje, amanhã poderemos ser julgados. Empatia e altruísmo são necessários.
E não se está a defender ninguém, ou pleitear ausência de responsabilização, mas sim a responsabilização prevista e competente, sem qualquer forma de execração pública. Lembremos que Jesus Cristo foi crucificado.
A mobilização pública é extremamente pertinente e adquire força emancipatória em determinados quadros. Sem dúvidas a sociedade civil exerce grande influência na eleição de pautas políticas e na resolução de conflitos. Contudo, a mudança efetiva não vem de grandes revoluções. A verdadeira mudança ocorre, sim, de revoluções internas e individuais. Cada um deve olhar para si e procurar se aperfeiçoar. Antes de querermos domesticar o monstro do vizinho, devemos aprender a lidar com os nossos próprios.
Aparentemente um leão foi caçado de forma cruel e perdeu a vida, não incumbe a nós, agora, promover uma nova caçada, agora contra um ser humano. Deixemos que a responsabilização seja devidamente apurada, nos limites impostos pela lei.
Fonte: Canal Ciências Criminais
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