Por Maria Carolina de Jesus Ramos
Adultério, no dicionário, significa infidelidade conjugal, relacionamento fora do matrimônio (Minidicionário Luft).
No Brasil, o adultério somente deixou de ser crime no tardio ano de 2005.
Assim estabelecia o Código Penal, antes da mudança:
Art. 240 - Cometer adultério:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses.
§ 1º - Incorre na mesma pena o co-réu.
§ 2º - A ação penal somente pode ser intentada pelo cônjuge ofendido, e dentro de 1 (um) mês após o conhecimento do fato.
§ 3º - A ação penal não pode ser intentada:
I - pelo cônjuge desquitado;
II - pelo cônjuge que consentiu no adultério ou o perdoou, expressa ou tacitamente.
§ 4º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - se havia cessado a vida em comum dos cônjuges;
II - se o querelante havia praticado qualquer dos atos previstos no art. 317, do Código Civil.
Obviamente, a pena aplicada (quinze dias a seis meses) dava margem a penas/medidas alternativas de liberdade. Mas o absurdo da questão tratava-se de aplicar o Direito Penal em uma questão absolutamente moral. Hoje, a questão da fidelidade conjugal é apreciada no ramo cível, como deve ser, visto que o Direito Penal não tem que se preocupar com questões morais.
No entanto, ainda hoje encontramos situações na jurisprudência em que a infidelidade feminina é justificativa para o comportamento violento do homem traído, ou justificativa para uma penalização da mulher em questão.
A tese da legítima defesa da honra, até pouco tempo atrás, era usada para a defesa de homens acusados de agredir ou até assassinar a companheira.
Na literatura, a questão do adultério já foi tratada em diversas obras. Um julgamento fictício que chega às raias do absurdo é o de Hester Prynne, em “A letra escarlate”. Documentos históricos da época atestam que a situação narrada no romance de Hawthorne era real: mulheres acusadas de adultério utilizavam um estigma nas vestimentas, para que toda a comunidade soubesse que crime elas haviam cometido.
No romance, a jovem Hester era casada com um senhor idoso, e com uma filha pequena, Pearl. Hester se apaixona, e é correspondida, pelo jovem pastor da comunidade, Sr. Dimmesdale. O caso leva à prisão da mesma por adultério. A decisão judicial sobre o caso é que a moça e sua filha passem a viver fora dos limites da cidade, e a jovem mulher deve sempre ostentar em suas vestes, bordada em tecido vermelho, a letra A, de adúltera, a letra escarlate do título.
Além da humilhação da prisão e da sentença judicial, havia a exposição pública no pelourinho:
No caso de Hester Prynne, contudo, e como não raro, em outros casos, a sentença ordenara que ela permanecesse durante determinado tempo no tablado, mas sem gargalheira e sem sujeição de cabeça. (pg. 62).
A exposição do criminoso ao que Hawthorne chamou de “sadismo popular” (pg. 63) continua na sociedade moderna, com uma mídia de tom extremamente punitivista, que agrada à população.
Além da questão do adultério como um crime (em que a mulher era punida com maior rigor), o romance adentra na questão moral. Sem defender o adultério em nenhum momento, Hawthorne mostra o rigor excessivo no tratamento popular da heroína, na humilhação cotidiana que se torna a sua vida e, por tabela, a de sua filha. Hester suporta com firmeza de caráter excepcional a sua sentença. Com o tempo, o “sadismo popular” vai perdendo força; a jovem e sua filha deixam pouco a pouco de ser humilhadas pela comunidade.
A situação fictícia narrada no célebre romance de Hawthorne não é exatamente incomum nos dias de hoje. Recentemente, uma decisão judicial de Portugal ganhou as manchetes e a indignação de parte da população portuguesa: o acórdão do Processo nº 355, (disponível on line aqui) minimizou a conduta de violência doméstica do acusado devido ao cometimento de adultério da vítima:
No entanto, como já se deu a entender, não partilhamos da opinião da digna magistrada recorrente sobre a gravidade dos factos nem sobre a culpa dos arguidos, especialmente do arguido X.
Este caso está longe de ter a gravidade com que, geralmente, se apresentam os casos de maus tratos no quadro da violência doméstica.
Por outro lado, a conduta do arguido ocorreu num contexto de adultério praticado pela assistente.
Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem.
Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte.
Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.0)
punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse.
Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.
Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido X cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o acto de agressão, como bem se considerou na sentença recorrida.
Por isso, pela acentuada diminuição da culpa e pelo arrependimento genuíno, podia ter sido ponderada uma atenuação especial da pena para o arguido X.
As penas mostram-se ajustadas, na sua fixação, o tribunal respeitou os critérios legais e não há razão para temer a frustração das expectativas comunitárias na validade das normas violadas.
O acórdão ainda faz alusão ao Código Penal Português do longínquo ano de 1886, quando um homem podia ser “perdoado” ou punido com uma pena mais leve, caso assassinasse a esposa adúltera.
Mas, se a infidelidade feminina é tratada com todos os rigores da “lei” ou como permissão/justificativa para crimes “de honra”, o mesmo não ocorre com a infidelidade masculina. Num contraponto com a obra de Nathaniel Hawthorne, está o infelizmente pouco lido livro de Anne Brontë, “A moradora de Wildfeel Hall”.
Revolucionário sob muitos pontos de vista, a narrativa passa-se na época vitoriana, contando a extraordinária vida de Helen, mulher que abandonou o marido, cansada de suas traições e da violência física e psicológica que sofre por parte deste.
Helen, ainda jovem, escolheu se casar com o cavalheiro Arthur Huntingdon. Logo, a moça descobriu seu erro: no diaadia, o marido mostrava-se um alcoólatra, tratando-a com desprezo, tendo casos com outras mulheres. Situações similares não eram incomuns, mas esperava-se da esposa a tolerância e que mantivesse as aparências.
Porém, não é a atitude que Helen decidiu levar. Com um filho pequeno fruto de um casamento infeliz, cansada das atitudes do marido, temendo por sua vida e de seu filho, a mulher foi ajudada por parentes e conseguiu fugir, vivendo anônima em outro vilarejo.
O romance não se limita a tratar do casamento infeliz, da violência física e psicológica sofrida pela mulher, da tolerância da sociedade com o comportamento errôneo do marido infiel e violento. Também aborda a vida de Helen, escondendo seu nome verdadeiro numa nova comunidade, a fim de que o marido violento não a encontrasse e obviamente para evitar o escândalo que uma mulher separada tinha que enfrentar na rígida (e hipócrita) sociedade vitoriana. Mesmo assim, a mulher jovem e com um filho pequeno gerou toda sorte de comentários negativos e especulações no novo vilarejo.
Em ambos os romances, as heroínas alcançam um final feliz; na realidade, como demonstrou o inacreditável acórdão português, o Direito se confunde com a Moral para julgar com um peso maior o comportamento feminino.
REFERÊNCIAS
BRONTË, Ane. A moradora de Wildfeel Hall. Publicado em 1848. Título original: The Tenant of Wildfeel Hall. São Paulo. Editora Landmark, 2008.
HAWTHORNE, Nathaniel. A letra escarlate. Publicado em 1850. Título original: The Scarlet Letter. São Paulo: Editora Martin Claret, 2006.
Fonte: Canal Ciências Criminais
5 Comentários
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Engraçado como o texto inteiro cita agressão doméstica, e fala que a pena e desproporcional, mas a pessoa que escreveu não se lembra que tem casos também de homens traídos que ao descobrir o fato se matam, ou a mulher lhe tirou dinheiro tanto por pensão quanto por ser dado e ao final o filho não era dele ou a mulher usava o dinheiro pra outro amante.a pessoa que escreveu isso de fato ta dizendo que trair pode e n pode ter pena. Ja q um crime desse indiretamente pode matar, e causar um suicídio. Ela não fala tambem que não e so a mulher que trai fzd o leitor ficar indignado com o texto. Sem contar nos danos morais causados. Pois o corno fica com a fama de corno pela eternidade ja a adúltera não. Ou seja querem passar pano pra pessoas adúlteras. continuar lendo
Excelente! continuar lendo
Bigamia, inviolabilidade dos segredos, crimes contra a honra, religião, respeito dos mortos, rixa são essencialmente morais e o Código Penal Brasileiro continua contendo tais crimes. Mais do que isso, na verdade: se considerarmos que as qualificadoras feminicídio e violência doméstica de homicídio e lesão corporal (respectivamente) são essencialmente morais (visto que julgam a razão do crime e aumentam sua pena por isso), o código penal é essencialmente moral. continuar lendo
No caso bíblico, eram punidos o adúltero e a adúltera. Tinha que ter o flagrante, e os dois que cometeram o pecado, eram condenados à morte. E mais uma coisa, os apedrejadores deveriam estar cumprindo também a lei... continuar lendo