Por Denis Caramigo
Muito se fala e se discute acerca do crime de divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia (art. 218-C do Código Penal), porém, o que pouco se debate é um crime que também se apresenta como “novo” em nosso ordenamento jurídico, por meio da Lei 13.718/18, e que merece muita atenção, pois o legislador cometeu uma falha muito relevante e que, certamente, será objeto de questionamentos nos tribunais.
Antes de prosseguirmos, deixamos claro que abordaremos neste esboço uma questão sobre a aplicação da tipicidade do art. 216-B do Código Penal, respeitando as regras penais que transitam o nosso ordenamento jurídico, recomendando, assim, a melhor doutrina para aqueles que tiverem interesse em maiores conhecimentos sobre o tipo sem a polêmica aqui trazida.
Registro não autorizado da intimidade sexual
Vejamos o que estabelece o art. 216-B do Código Penal::
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.
Assim, de acordo com o artigo 216-B do Código Penal, o simples ato de praticar quaisquer dos verbos descritos quando envolver conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participanteS, restará configurado o crime.
Dessa forma, como podemos observar, em primeiro plano, a questão sobre o tipo penal aqui discutido é o NÃO consentimento das vítimaS (sujeitos passivos). Fizemos questão de colocar no plural a palavra “vítimas” justamente para chamar a atenção, pois o tipo penal é taxativo quando fala em “participanteS”.
Ora, se o tipo fala em “participanteS”, só se pode punir alguém pelo caput do artigo 216-B quando este alguém praticar a conduta em face de mais de uma pessoa envolvida, sob pena de atipicidade da conduta do referido artigo se assim não o for. O tipo penal é taxativo e não admite analogia in malam partem.
Embasa ainda mais o nosso posicionamento quando analisamos o parágrafo único do mesmo tipo penal. Vejamos:
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.
Aqui sim admite-se a conduta em face de somente uma pessoa, pois é exatamente o que o tipo prevê. Quando a redação estabelece “pessoa”, estamos falando de somente um sujeito passivo, tendo em vista que a palavra encontra-se no singular.
Fazendo uma comparação muito feliz, pois já obtivemos êxito em caso prático exatamente com a situação que iremos expor, podemos citar o art. 288 do Código Penal, que possui a seguinte redação:
Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
O tipo penal fala em “...cometer crimes...” e não em cometer “crime”. Assim sendo, não existe o delito de Associação criminosa quando envolver somente um crime por falta de expressa previsão legal.
Com tal entendimento aplicado ao crime do art. 216-B, caput, do Código Penal, a conduta tipificada nos verbos quando em face de somente uma pessoa não poderá ser regida pelo dispositivo, sob pena de ferir o princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX da CF e art. 1º do CP):
Não há crime sem lei anterior que o defina (...).
Ademais, dando maior força à nossa tese, se pegarmos os arts. 240 ao 241-E do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tratam da proteção da Criança e do Adolescente no que tange a questões de cunho sexual (no mesmo contexto do dispositivo que aqui discutimos), percebemos claramente a intenção do legislador de abrigar em tais dispositivos a proteção individual de cada indivíduo, tendo em vista que as palavras “criança” e “adolescente” estão no singular nas tipicidades elencadas.
Em nossa visão – técnica – foi uma tremenda derrapada do legislador quando não se atentou a este detalhe, pois não há de se ter nenhuma interpretação da norma quando esta é expressa, taxativa e legal, ainda mais em prejuízo de quem, supostamente, nela incide.
Admitir que se aplique no caso concreto a tipicidade do art. 216-B, caput, do Código Penal quando envolver somente uma pessoa como sujeito passivo é aceitar o afronte ao princípio da legalidade penal, já tão ferido e agonizante nos dias atuais.
Fonte: Canal Ciências Criminais
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3 Comentários
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Se vocês estivesse com um cliente que teve divulgação de imagens íntimas, gravadas com seu consentimento, mas publicada sem o consentimento da pessoa. Na seara penal, onde estaria a tipificação para denúncia? continuar lendo
Artigo 218-C, da Lei de Importunação Sexual (LEI Nº 13.718).
Qualquer dúvida, entre em contato pelo Instagram : @jjfonseka continuar lendo
Parabéns pelo artigo.
O ideal seria não fazer esses tipos de gravações, pois pode haver vazamento sem consentimento ou invasão criminosa aos dispositivos que os armazena.
De todo modo, como bem definido no texto, nosso legislador sempre "derrapa".
O legislador ordinário é mais ordinário que legislador. continuar lendo